terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Coragem para quê? Feminismo para quê?

Seria eu uma corajosa garota? Há quem o diga.
Corajosa por colorir de escarlate a minha boca
Em plena luz casual do dia. 
Encarno-a, pinto pois com a ponta rubra do batom
Rascunho uma poesia e desenho a revolução;
Escrevo:
Esta boca é minha.
Para manifestar amor ou indignação,
Não hei de censurá-la nessa vida.

Pois é, sou corajosa - há quem o diga...
Corajosa, pois para poder ter vez
Empoderei a minha voz
Que grita loucura, um tanto de sensatez
E rebeldia.
Se manifesta com o meu corpo, com o meu gozo,
Com o meu gosto, com a minha tez e alma em alforria,
Com o meu espírito de euforia.

Não me limito a apenas gostar de sexo;
Falo isso com todas as letras,
Com todas as vírgulas,
Com todas as exclamações,
Com todos os palavrões,
Com todos os sussurros ou gritos,
Com todo o sentimento
E com todo o(s) sentido(s) -
No fervor de um ato sexual
Ou de um ato político;
Pois meu prazer e minha libido já foram pautados.
Me faço assim uma mulher coragem?
Só sei que eu faço
O que quiser; eu faço sexo.
E em todo esse ato não atuo
Sob o papel de manipulável objeto
- Me recuso! -
Ou caça à deriva.
Não sou pedaço de carne ou resto de carcaça,
Eu não sou uma presa, não sou criatura para ser predada,
Tampouco sou sua criada. Sou criatura mal-criada.
Sou bicho solto e livre, e pra voar de caçador
Não se precisa.
Ainda coloco em jogo, em diversão e diversidade
"Essa tal" de siririca. 
Podem me dizer que é mera auto-afirmação
Ou muita coragem - 
Isso há quem me diga.
Tenho minha consciência e minhas mãos
À obra e à massa da revolução!
E como a mim convém, a serviço do meu tesão. 
Tenho também meus pés para (en)caminhar nesse encargo de chão...

E dizem ainda
Que o que eu tenho é valentia,
Que o meu mal é teimosia
Por amar outra(s) mulher(es),
Não amando para sair da rotina.
Que culpa tenho eu
Se o ato de diversificar me causa orgasmos?
Se pessoas me causam embaraços?
E se delas gosto é pelo que carregam
No semblante, na alma...
E não entre as pernas.
Gosto de genitálias,
Gozo com genitálias -
Por gente inteira me apaixono.
Esses órgãos, sendo de borracha,
Se quiser em sex shop eu compro -
Mandando sobra de coragem na lata,
Demandando falta de vergonha na cara.

Poderia citar
Outros atos de coragem
- há quem diga que sejam -
Exemplificando:
Dar a buceta 
Logo na primeira
Ou dar um não
Na décima-terceira.
Me a(r)mar com a minha nudez,
Ainda que parcial,
Na praia, na rua, na lua, na luta...
Para legalizar a minha tez
Fora do comercial.
Mamilos em riste, maior rifle
Atirando amor
Tirando calor.

Despindo meus calos 
É que alivio a dor,
Não calo.
So(u)frida,
Sou feridas,
Sou feras,
Carrego-as em minha vida,
Esta é a minha sina.

Mas a verdade
É que se tenho coragem
É por haver medo;
E se reguei a valentia
Que enraizou e floresceu
Em meu peito, não é para 
Escondê-lo -
É para peitar o perigo
Que faz esse medo.
Um monstro do qual 
Não adianta correr
E tampouco fingir que 
Não o vê -
Esse perigo que a gente chama
Pelo nome de machismo. 

Sim, eu estou à mercê,
Sendo mulher, como qualquer uma,
Como ela, como você.
Mas, irmã, quer saber?
Essa porcaria pode um dia
Me coibir de sobreviver,
Mas nunca mais, jamais
Me ditará como viver.
E assim faço por tantas outras
Vítimas psíquicas ou fatais
De machismos
Tão banais.

Às mulheres eu só peço
Um pouco de sororité,
E que façam e sejam
O que quiser!

Pois nem santa, nem deusa, nem puta.
Apenas mais uma mulher
Se sentindo insegura
Ora consigo mesma,
Ora com a rua.
Não, companheira,
Essa sociedade não é justa.



- Júlia S.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Matrioska Problemática

Eu só quero me despir
Dessas mil peles,
Desses mil panos,
Dessas mil faces,
Dessas mil feridas,
Desses mil males,
Que fazem minh'alma
Tão omitida,
Engolem a peça-chave e
Junto com ela trancam a expectativa.

Não quero mais me imobilizar
Com o fim.
Quero mexer os meus meios,
Dançar esse começo que há
Dentro de mim.

Uma vez me contaram que eu poderia cair;
Que tenho um "q" de frágil e poderia me quebrar;
E incogitável seria varrer meus reles cacos.
Agora, antes de sucumbir, me descasco.

Se me desespero,
Me descamo,
Me desenterro
Desse véu
Com sabor de fel.

Não parto;
Me despedaço dos 
Pedaços mortos,
Até a parte inteira,
Pelos meus caminhos tortos,
Às peças do quebra-cabeça...
E essa chave pequena
É que abre a mim mesma.



- Júlia S.