quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Sobre minhas costuras...

Me trancafiaram,
Me enfiaram,
Me desfiaram...
Desfiada,
Desviei;
Me (re)fiei,
Me refiz.
Desfiei o corte
Do cabelo e da ferida;
Desfilei
A ponta do fio à raiz,
A cicatriz. 
(me) Confiei.
Desafiei
O galo enristando sua crista;
Desfiei 
Sua carne dura -
Se desfez em coxinha.
Desfiei
O nó enfiado
Em minha goela abaixo.

Fiei, fio
A minha linha -
Ainda que com desvio.
Que se finda!

Fio a fio,
Foi-se,
Fui.


- Júlia S.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Dos limões, a caipirinha...

Com todas as pedras
Que em mim atiraram,
Fiz meu caminho das pedras.
Com todas as penas
A que me designaram,
Fiz minhas asas.
Com todas as feridas
Que em mim foram abertas
E vivas,
Abri minha tez 
Para o amor dar entrada;
Me dilacerei,
Me dilatei
Para a minha carne ser rebentada.
Com todos as chaves
Que me trancafiaram
- Trancaram e enfiaram -
Fiz a peça-chave com que abri
Janelas, portas, frestas, gaiolas...
A mim;
Me fiz ave.
Com todos o cadeados
Que me encadearam,
Fiz minha ser desencadeada. 
De todos os fardos
Que me enfardaram,
Que me fardaram,
Fiquei farta;
Com todo o enfado
Que me enfadou,
Me fiz fada.

De todo o fastio,
Fiz fatia,
Fiz festa.


- Júlia S.

"Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem"...        


quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Necessidades Enfadonhas

Sou humana;

Preciso comer,
Senão meu estômago agoniza -
O pobre mortal tem gastrite;
Normal... Já a minha língua
Entra em crise, 
Tem paladar e do bel-prazer
É paladina.
Ele come a conveniência,
Ela descome a abstinência.
Ela vomita com a obediência.

Preciso beber -
Água;
Para (sobre)viver não necessito
De café, chocolate, cachaça
Ou vinho.
Estes pouco me hidratam;
Se os tomo é porque me regam -
Me fazem florescer -
Me desregram...
Estados de espírito
Em estado líquido,
Que em mim permeiam
Pelos poros, na alma,
Nas veias...
Aonde a água não chega.

Sou humana,
Preciso é me manter;
Precioso é me desmantelar!

Sou humana, logo se vê;
Te aprecio,
Isso que é prezar.
Isso que é prazer...


- Júlia S.



segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Eu, Meu Corpo

Meu corpo, minhas regras -
Ainda que desregradas.
Meu corpo, eu imponho
O limite -
Que este seja o céu.
Mas só entra com convite;
Pois é meu corpo, minha casa -
Ainda que de portas abertas,
E também as janelas que a entrada
Da luz permite.
Meu corpo, minha fresta
Quiçá penetrada,
Mas que não aceita penetra -
Apenas permeia
Por noites 
Ou dias
Alfo/euforia. 
Meu corpo, meus dentes -
O sorriso de regozijo
Ainda é lançado como feroz mordida.
Meu corpo, minhas garras -
Das coisas pequenas me desgarram,
O que vale a pena agarram.
Meu corpo, eu o resolvo -
Sem equações, fórmulas precisas,
Teoremas ou receita
De bolo;
Pois meu corpo, tenho ciência,
Não é trabalho científico -
É minha essência.
Meu corpo, minha tez nua -
Não é da conta sua
Ou do capital/comercial.
Meu corpo, não peço desculpa -
Mando:
Desocupa;
Pois meu corpo, não o culpo -
O ocupo.
Meu corpo, meu senso -
Sem censo alheio,
Sem censura.

Meu corpo, eu o defino -
Não defino,
Não definho.




- Júlia S.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Sobre Aquilo que Quero

Não quero ser liberal;
Se liberdade é pouco,
Sei é que a quero fora
Dessa perigosa fronteira 
Do "normal".
A mim interessa ser libertária,
Livre e liberdade;
Poetizando-a com reticências...
Politizando-a com pontos de interrogação
E final.

A mim não cabe ter dor nem dó,
Tampouco pena
Que se penou; o espaço é maior -
Ca(em)bem asas!
Aladas sejam as almas,
Não penadas;
Aladas sejam as vidas,
Não penalizadas.
O céu acima não nos limita,
Este nos ca(i)be(m),
Não cabe ser vazia.
Se quiserem me (des)penar,
Já tô pelada;
Tô além e alada,
Ao meu ver e voar:
Quintane-se!
"Eles passarão, eu passarinho..."

Não desejo finalizar,
Meu desejo é contínuo;
Nesse desenrolar,
O que desejo tô construindo -
Não muros,
Quiçá pontes!
Não preciso de escudos -
Que haja lanças
A novos horizontes!


- Júlia S.



quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Anatomia Geográfica

Nos pés, calos;
Na pele, calor.
Quem sabe ao litoral se localiza a pele
- Temperada com temperatura em alta, 
Ela umedece;
Na baía curvilínea,
Aonde o vento faz a curva
- Quem sabe uma ilha -
De brisa se apetece.
Já os pés caminhando com suas pelejas,
Quiçá vivem em terras sertanejas;
Encaminham suas vidas secas -
Descalços realçam seus calos,
Seus cactos,
Sua peculiar beleza.

Nas veias, há rios
De sangue que corre;
Na vagina, é típico
O sangue que escorre.
Veias abertas como as da América
Latina;
Encubada e como Cuba
Embargada
Está a vagina;
É enquadrada 
Pelo Imperialista
A buceta ousada,
Aquela que migra.
Às vezes como útil é dada, 
Substitui a mão de obra nativa,
Julgando-a barata,
Sempre será clandestina
- E na clandestinidade é sangrada;
Depois culpam a vagina,
Ela que é sanguinária.
Não raro invadida,
Essa parte colonizada
Cansou de sua sina;
Basta desse complexo de vira-lata!
Reivindico minha soberania!
A terra é dela,
A daqui é minha.

Ao centro-sul
Manifesta-se a democracia -
Em um canto chamado cu
Dissiparam as fronteiras;
Lugar de excretar a sujeira
E quiça aderir ao gozo -
Adentro, fora o moralismo, dá-se tempo novo! - 
Uma fresta de alívio e liberdade,
Uma festa de convívio e sacanagem;
Contudo, não é de todos -
Mas não há quem não o tenha,
Seja burguesia, classe política
Ou povo.

Nas entranhas
(Ditas como terras estranhas),
Habitam dores e borboletas.
Girando como o globo,
Ao norte, 
Localiza-se a cabeça
Desnorteada -
Escala suas montanhas,
Agora se sente forte
E regozijada.
Sua massa cinzenta
Já não é de sombria neblina,
É de sóbria essência;
Feito a massa popular,
Fermenta.

No mais, advirto:
Não faça como os europeus
Fizeram com a África:
Armando-se com régua,
Para essas terras serem traçadas.
Denominado primeiro mundo,
O terceiro não é seu
- Ou segundo.
A anatomia geográfica 
Também não está para ser mapeada;
Descarte seu GPS,
Colonialismo moderno
Também não desce.


- Júlia S.

Viva Irmã Água

Viva cada calo,
Viva cada calor!
Me fazendo aberta f(e)rida,
So(u)frida em vida, não me calo -
Minha tez dilacerada grita
Com love e louvor.
Lava,
Restituída,
A alma
Leve em corpo livre.
Pruma à fogueira condenada
Não há maior frescor
Que esse regozijo, 
Nessa água
(Fervente contra a corrente),
Sendo a fonte meu suor
(E algumas lágrimas)
Em que me lubrifico.
Não sou pó;
Sou meus poros 
Exal(t)antes de amor
Para ainda mais permeá-lo
E excretar a dor,
Como chuva que me molha
E abastece a luta
De qualquer lugar e hora -
Na rua,
Entre quatro paredes,
Na lua,
Na rede,
Na cotidiana labuta.
Na sede.

E assim faço minha reivindicação
Por essa vida de dar as mãos,
De dar asas à revolução,
E também por os pés no chão;
Por os poros em ação
Para não virar pó de cinzas.
Reivindico cada gota,
Cada gole,
Para na chuva me molhar,
Beber e brindar essa vida!
Ouvi dizer que mulheres são como águas
- Quando se encontram ficam mais fortes.

Viva a enxurrada!
Que a opressão não nos afogue -
Essa não nos suga,
Nessa a gente surfa.


- Júlia S.






Mulher (des)Mitificada

Mulher mito,
Desminto.

Se achas que de ti
Uma costela foi tirada,
Pois saiba que de mim
Fui arrancada.
Mutilaram meu clitóris;
Minha fresta foi estuprada;
Incendiaram meu útero;
Enforcaram meu pescoço;
Assassinaram minha alma;
Coisificaram meu corpo.

Não raro cortaram minha língua;
Mas aos poucos,
Restituída,
Eu digo, seu moço:
Não sou fruto da sua fratura;
Renasço das cinzas
Pois vim de minha carne pútrida -
Não de seu osso.

Você que veio das minhas entranhas,
E nas minhas entranhas interveio.
Se abasteceu de meu leite amoroso 
- Algo em mim não pulverizado -
E jorrou em meu rosto
Cada gota d'água rebentada por seu escracho:
Seu cuspe, seu vômito,
Seu leite de cobra que chamas de gozo.
Jamais chorou
Pelo (meu) sangue derramado.

Há quem diga que consistes em barro -
Eu digo que deitou e rolou em minha lama lancinante,
Cagou e andou pro meu drama constante.

Pois fora tu
Que me lançaste a merda,
Que me atiraste pedras,
Que me cagaste (tuas) regras.

Sou eu, sou elas.
Em carne, osso, pele, alma, gozo -
Não em alheia costela ou esboço.

Sou mulher,
A primeira,
Segunda ou terceira;
Sou de quinta.
Sou milhares,
Sou mulheres,
Sou minha.
So(u)frida. 

Sou Eva condenada,
Sou Maria
Encubada
E de incubadora incumbida,
Sou Lilith demonizada,
Sou Madalena apedrejada,
Enquadrada como santa ou vadia.

Tirai do caminho
Vossa passagem bíblica
Para dar passagem à minha vida!
Tirai vossos rosários
De meus ovários.
Amém!
Amem!

- Júlia S.


Familiar

Reconheço essa tua voz elevada
De marchinhas e marchas...

Já tivemos o ensejo!
Sim, eu te conheço,
E é de outros carnavais;
Mas também de algumas
Guerrilhas atuais,
Rebeldia em atos
Políticos e teatrais;
Rebeldia rebentada da vida
Que rebentou poesia.
Camarada, te conheço,
E é de vários festivais,
De em comum utopias
Que realizamos na lua.
E realizamos na rua,
Contra opressões banais,
A luta
Em que te reconheço,
Em que exalamos por cada poro
Nossas artes e ideais.

Nossa vida foi feita para ser vivida
E não a faz
Apenas de desconstrução
- Da dor.
Te conheço dessa reconstrução
- Por amor.


- Júlia S.

Pedaçando

Sou inteira
Em pedaços de quebra-cabeça;
Sou inteiramente a metade
Que me cabe,
Enquanto não me acho
Em outra parte
Ou ponto de partida
- Mais uma!
Talvez eu ache
Em juízo
Ou no juízo final,
Em regozijo
Ou num baque pessoal.
Talvez eu nunca ache,
Alimentando corpo e alma
Com cada fatia
Que me cabe
Dessa vida.
Quando vivê-la por inteira,
Quem sabe então eu esteja
De barriga
Estourada e satisfeita -
E será cabeça quebrada
O meu quebra-cabeça.


- Júlia S.