segunda-feira, 22 de abril de 2013

O Anti-Social

Um colega de classe aborda o outro:
- Por que você é tão anti-social?
- Por que, pelo que me julgas anti-social? - devolve com outra pergunta o tal
- Sei lá, cara... Você é do tipo que fica aí na sua, lendo um livro, revista, até jornal, ou escutando música... não vai a muitas festas, não tem muitas redes sociais e nem as atualiza frequentemente... é de poucas palavras, não interage muito com a galera em geral... Mas por que?
- Hum, sei... E você, o que faz da vida? Vejo que anda cercado de amigos...
- Pode crer, cara. Esse é o meu dilema. Toda festa eu tô dentro, topo qualquer parada. Sou muito de sair com a galera, mal paro em casa, saca? Os meus velhos até que pegam no pé, mas... Vivo conectado, e modéstia à parte, mina é o que não me falta - diz abrindo um sorriso com um ar ladino
- E a sua vida se resume a isso?
- É. - responde com firmeza e cheio de orgulho de si
- Então sinto muito, mas o anti-social aqui é você.
- Como? Por que? - indagou rindo
- Aprendi na Física algo que implantei na minha filosofia: tudo é uma questão de referencial. E como vejo, temos referenciais distintos. Se para você anti-social significa não viver como se tudo fosse um festival, não se desligar de um mundo virtual, onde se conecta apenas com uma realidade maquilada, manipulada, ao invés de se conectar com aquela que está mutilada, se cercar de "amigos" cuja sinceridade e veracidade são suspeitas, ter uma vida sexual agitada, ser altamente influenciável por naturezas (artificiais) alheias, tudo em nome do seu ego e vaidade, que inclusive são coisas de essência (ou falta de) exclusivamente individual, realmente, meu caro, me desculpe, mas eu sou um anti-social.
- Então, meu chapa, qual é o seu "distinto referencial" de anti-social? - já meio irritado, com o maldito orgulho ferido
- A questão não é bem de "anti-social". Mas de social.
- Ah, é... como assim? Fiquei curioso agora. - ironiza
- Não se prender ao seu individualismo, a uma vida maquiada de onde só se retira as melhores partes. Pois viver com certeza é uma arte. E dela faz parte socializar. E socializar para mim é a minha visão, de olho e de mundo, atingir um longo raio ao meu redor, olhar para o alto cima e destiná-lo ao que está no fundo, olhar por quem cuja essa "arte" de (sobre)viver é trash, como um filme dramático, uma fotografia  preta e branca sem flash, um retrato amarelado e assistemático, uma grafitagem manchada... qualquer obra que me deixe empático, que me descontenta com uma mera (de merda) fachada. 
- Aham, mas...
- Socializar não é se exibir numa vitrine. É exibir sua ideologia numa vitrine, e jamais vendê-la. É dar a ela vida. É dar a outros uma melhor, pois têm muitos na linha da morte... Esses pobres sujeitos sem sorte.
- Ér...
- Sem sorte, sem renda, sem educação, sem emprego, sem respeito, sem saúde, sem saneamento, sem esperança, sem felicidade, sem igualdade... Sem a dignidade que deveria a eles ser desviadas por nós, e aqueles poderosos que eles sim são indignos, mas que com nosso dinheiro, desviam é os nossos direitos, e inibe não apenas o pobre coitado, mas gente como eu e você também, à liberdade, à justiça e à igualdade; essa verdadeira escória sem noção de fraternidade.
- Cara...
- Socializar não é com um mundo irreal/virtual se conectar. É se conectar com o mundo real. Com esse mundo desleal, com esse que ele sim deveria ser surreal, ou melhor, irreal... que se julga moderno pelas novas tecnologias, mas ainda mal distribuídas, assim como um (nada avançado e super necessário) prato de comida... mundo ainda tão atrasado pela falta da concretização das boas ideologias, a nossa maior ferramenta, o nosso maior dilema, modernidade, e tecnologia. Socializar não é sair fazendo zona, não é ter vários amigos em sua mesma zona de conforto, essa mesma que você pensa que te dá um leque de opções e condições, mas que simultaneamente te aprisiona; socializar é também olhar, não apenas para, mas por, aquela outra zona. Socializar é fazer por onde para realizar o que se sonha. Não pela sua individualidade, mas em nome do bem da coletividade. Socializar não é exibir à galera sua maneira descolada de se vestir... é pensar, e dar àquele que não tem com o que se cobrir. Socializar não é um futebol curtir, se reunir para à "sua novela" assistir, a uma praia com sol ir, com os amigos, e uma boa caipirinha, se divertir, ou brincar, pular o carnaval. Socializar é fugir dessa alienação surreal. O Brasil tem mais que essa cara para mostrar, tem também corpo e alma, só falta buscar. Só falta dar à luz. Só falta iluminar. E, nós, brasileiros temos uma cara a tapa para dar. Ao invés do nosso corpo para crucificar. Ao invés de várias almas infelizes para uma morte indireta ou diretamente provocada levar. Socializar não é algo para alimentar a sua vaidade, mas a barriga, a vida, a cabeça, o coração de outros, e a liberdade. Socializar não é falar com alguém que mal conhece e abertamente sorrir. Socializar é de fato se unir. Unir por uma unificação, jamais de características, mas de uma almejada condição. Socializar não está relacionado à galera. Socializar está relacionado a várias pessoas e um só povo. Socializar não é conversar, sair, fazer isto ou aquilo de novo. Socializar é fazer o novo. 
- Então, o anti-social...
- Ainda nessa bendita definição? Anti-social é o que desanda ou não faz andar a sociedade. Que não quer parar o caminhar daquele que desanda, que não quer guiar aqueles que mal têm chão para andar. Anti-social, aquele que nem sabe o que significa uma utopia, e se sabe não a associa a esta vida. Aquele que não sabe se libertar em sonhos, ou ideais, mas se prende num profundo sono, e em fatos bestiais.
- Profundo sono?
- Sim, profundo sono. Naquele em que os olhos não abrem por estarem em demasiado adormecidos. Ou pior, naquele em que se finge de um coitado adormecido, para não precisa abrir os olhos para os esquecidos. E para a sociedade continua aí, inerte, dormindo.
- Olha, eu tô ligado que vivemos num país cheio de riquezas e pobrezas, porém...
- Porém você prefere apenas olhar as nativas belezas, ao invés de você mesmo fazê-las. E sabe o que é mais belo no Brasil? As pessoas. Não me refiro de maneira incongruente a essas mulatas ou periguetes salientes. Me refiro a toda gente. Gente que sente, mas quem liga? Se liga na Globo e a tem ligada, mas com certeza não é ela que liga. Gente que se abala, mas continua sorridente por quê? Para não chorar, ao contrário de ti, que tanto exige e ri e mal sabe o porquê. Gente diferente. Negro, branco, índio, mulato, caboclo, citadino, campesino, do Sul-Sudeste, Centro-Oeste, ou nortista, ou nordestino, grande, pequeno, pobre ou não, analfabeto ou que teve educação, políticos que fazem jus ao "ordem e progresso" que teoricamente representa a nação, homem, mulher, gay, heterossexual, ou bi... Enfim, esse mar (ou sertão, ou qualquer chão, ou lagoa, ou rio, ou serra, ou cachoeira, ou cataratas) de gente sem fim. Gente que quer que as cores da bandeira do Brasil, e do nosso céu anil, tão vivas e harmônicas entre si, faça jus à cor do seu suor, do seu sangue cicatrizante, das suas lágrimas, do seu sorriso, da sua terra, da sua tez. Gente decente que infelizmente não tem voz nem vez. Enquanto os indignos, egoístas, corruptos e mal-caráter, fazem baderna na calada da noite e tudo continua no silêncio. Já gente inocente dá um grito de agonizo e tormento, e... tudo continua no silêncio. Quem é responsável por calar a algazarra e simultaneamente o sofrimento? Quem é que não ama essa gente? Você diz "eu te amo" para alguém que acabou de conhecer, eu digo "eu te amo" para algo que se conhece desde antes de eu nascer. Para essa parte a que cabe dizer sociedade! Para esse parto (ou gestação) da liberdade!
Enfim, eu amo não ser anti-social. Eu amo não me contentar em ficar na minha. Eu amo ter um projeto para várias vidas.


- Júlia S.


{OBS.: Por favor, não achem que eu fiz alusão ao José Serra ou ao Carlinhos Cachoeira no texto, eu só estava falando de meio ambiente! Pouco me importa se é o habitat sem verde - mas quem sabe com verdinhas - do tucano, do periquito, papagaio do pirata, ou qualquer animal que mereça ser caçado e enjaulado, mas jamais para exposição. (:}









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